seguidoes

sábado, 28 de abril de 2012

Exu Corcunda II


Marcone era homem de meia-idade e de grande cultura geral, produto de uma educação esmerada em colégios de qualidade inequívoca, sob o alicerce fraternal de sua família. Além de engenheiro, dedicava-se a estudar a doutrina espírita kardecista com empenho sem-igual, a fim de estar sempre preparado a orientar os freqüentadores de um centro espírita, no qual exercia o cargo de presidente e principal palestrante.
Lapidado em conceitos ortodoxos que, ao invés de abrir-lhe os horizontes da Espiritualidade, mais o faziam mergulhar em um dogmatismo desenfreado, Marcone, durante as palestras que ministrava, quando indagado sobre questões pertinentes à Umbanda, utilizava-se quase sempre de expressões depreciativas, asseverando que tal religião era constituída de espíritos e práticas atrasados, e que pouco ou nada contribuíam para auxiliar os doentes do corpo e do espírito.
Sua vida transcorria normal, com a habitualidade de sempre, alternando-se entre o trabalho, o convívio social e as reuniões espíritas.
Certa ocasião, Carlos, seu filho de 10 anos, foi acometido de estado febril, acompanhado de pequenas convulsões. Preocupado, buscou auxílio médico, sem, no entanto, lograr êxito. Análises laboratoriais não apontavam qualquer tipo de infecção, bem como nada havia sido detectado nos exames cardiológicos e neurológicos.
Não deixando a medicina de lado, Marcone, como dirigente que era, passou a levar seu filho às sessões espíritas, na expectativa de que os amigos espirituais ajudassem na cura do bom filho.
Em determinada sessão, durante a leitura de nomes para irradiação, em cuja relação incluía-se o de seu filho, presente ali e muito debilitado, Marcone foi surpreendido pela incorporação de um espírito em um médium integrante da mesa. Como na casa espírita que dirigia não havia incorporações, mas tão somente mensagens psicografadas e inspirações espirituais, o engenheiro prontamente se aproximou do médium manifestado, reprimindo-o energicamente por alterar a linha de trabalho do centro.
No momento em que Marcone admoestava o médium em transe, o espírito que a este se acoplara, apresentou-se, dando boa noite aos presentes. Disse que fora enviado àquele recinto para solucionar problema de ordem espiritual delicado que afligia certa pessoa da assistência, direcionando seu olhar para o menino Carlos. O dirigente, observando o comportamento diferente daquela individualidade espiritual, num misto de insegurança e arrogância, inquiriu o espírito sobre sua procedência e nome. O amigo espiritual, fitando fixamente Marcone, disse-lhe que realizava trabalhos em outra corrente religiosa, declinando seu nome, que aqui trataremos apenas como Exu "A".

Ante a identificação, o pai de Carlos, tomado de profundo preconceito, ordenou àquele espírito que reputava como sem-luz, que se retirasse e procurasse a evolução que Marcone supunha que ele, o espírito, necessitasse. Ante os apelos contundentes, o espírito aceitou retirar-se, dizendo, antes de partir, que o enfermo a curar carecia de cuidados urgentes, sob pena do quadro tornar-se irreversível.
Após a partida do espírito Exu "A", o diretor Marcone criticou severamente o médium que tinha dado campo de atuação àquele espírito, exigindo maior atenção dali em diante.
Os dias passam e, apesar dos passes e água fluidificada ministrados em Carlos, o garoto jazia num permanente estado febril e periódicas convulsões, acrescido agora de ostensiva anemia, deixando-o num estado mental depressivo. Marcone já não sabia a
quem recorrer, pois experimentara até a desobsessão, sem resultado algum.
Desesperado com a patologia de Carlos, Marcone, numa atitude desesperada de pai, resolveu buscar auxílio no primeiro lugar que encontrasse, fosse o que fosse. Saiu a perambular pela rua, entrando em quase todas as vias de seu bairro. Nada. Alcançou os
limites de outro bairro. Nada.
Já desanimado e sem ter com quem contar, Marcone tomou o caminho do lar. Entrando em pequena viela que lhe facilitaria encurtar a distância, ao passar por uma pequena casa, ainda com tijolos à mostra, o pai aflito identificou o som que parecia ser de tambores. Sob a inspiração de seus guias, perguntou a um senhor de cabelos e vestimenta brancos que ali estava, o que funcionava naquele local. Foi informado, então, que se tratava de um Templo de Umbanda.
O engenheiro Marcone, constrangido, explicou à pessoa parada no portão que tinha, na família, pessoa que passava por sérios problemas de saúde, necessitando atendimento. Respondeu-lhe o humilde senhor que ele, Marcone, poderia trazer o doente, se quisesse, ainda naquele dia, pois a sessão estava em seu início.
Marcone pôs-se em fuga alucinada para a sua residência. Enrolou o filho em um lençol e, em companhia de sua esposa, rumou de carro para aquele endereço. Retornando à Casa Umbandista, foi levado, juntamente com Carlos e Leila, sua mulher, ao salão de trabalhos espirituais.
Incomodado com o barulho dos instrumentos de percussão, porém esperançoso na cura de seu filho, Marcone orou incessantemente, pedindo auxílio diante da situação. Comandava as atividades o Caboclo que aqui chamaremos apenas de "Z". A certa altura da gira, esta entidade aproximou-se do casal e disse-lhes que iria atendê-los após o encerramento dos trabalhos que se realizavam, momento em que direcionou um olhar de amor para Carlos.
Duas horas se passaram até que a Entidade-Chefe desse por terminado o trabalho, solicitando a seu cambone que esvaziasse o terreiro. Estando agora somente o Caboclo "Z", seu cambone, Marcone e sua família, o espírito solicitou ao engenheiro que levasse Carlos para as dependências externas da Casa e o deitasse num pequeno espaço de terra batida existente. Advertido pelo Caboclo "Z" de que o êxito dos trabalhos a realizar dependeria também de sua fé e amor, Marcone, inquieto, via-se diante de situação que a doutrina de Kardec jamais o elucidara. O Caboclo "Z" disse-lhe ainda que o trabalho de cura ficaria a cargo de um outro amigo espiritual, devido o problema presente estar diretamente ligado à sua área de atuação.
Marcone, pensativo, limitava-se a ouvir aquela entidade simplória, porém iluminada, dizendo-lhe esta que se afastaria do médium, mas estaria presente,auxiliando no que fosse necessário. Ato contínuo, o médium do Caboclo-Chefe foi tomado por uma outra entidade espiritual, que passou a cumprimentar os presentes. Marcone, sob forte vibração, notou que conhecia aquele olhar fixo. O tom de voz (psicofonia) não lhe era estranho. Não ousou questionar o espírito, que, de forma vigorosa, dava instruções ao cambone sobre como proceder.
Após os preparativos, o amigo espiritual expôs resumidamente a Marcone que o pequeno Carlos achava-se em processo de obsessão, infligido por alguns desafetos do passado, e que o caso solicitava o concurso de medidas extremas para tal dissipação. Marcone encorajado a esclarecer-se sobre o fato, afirmou ao espírito que era dirigente de um centro kardecista e que lá havia sessões de desobsessão, consultando-o sobre a possibilidade do drama de seu filho lá ser resolvido. O companheiro de Aruanda explicou-lhe que, devido ao atual estágio obsessivo de Carlos, a doutrinação dos desencarnados que o assediavam só surtiria efeito após a realização daquele trabalho.
Feitos os preparativos, a entidade atuante ordenou ao cambone que fizesse, na terra, um círculo que envolvesse Carlos e que colocasse, sobre seu traçado, material de grande fundamento dentro da Umbanda. Orientou os presentes para que guardassem distância e que orassem de olhos fechados. Estando todos a postos, a entidade que capitaneava o ritual ordenou ao cambone que "puxasse" uma curimba de atração e condensação de forças positivas, repetindo-a por três vezes. Depois foi cantado um ponto de ação repulsora, momento em que o amigo do astral superior acionou a ignição do material no círculo mágico depositado.
Grande deslocamento de ar ocorreu, ao mesmo tempo em que se expandiam partículas de alto poder de corrosão. Ato contínuo, Carlos, então em estado torpe, foi acometido de grande agitação, que durou segundos, voltando depois ao estado de
inércia inicial. Imediatamente, o espírito que comandava os trabalhos ordenou aos guardiões auxiliares que imobilizassem os obsessores (eram dois), e os encaminhassem à detenção astral, até segunda ordem.
Marcone, assustado com o cenário que até então desconhecia, notou, com velada satisfação, que Carlos abrira os olhos com brilho há muito não visto. Levantando-se do chão ainda debilitado pelo vampirismo dos obsessores, perguntou ao pai que lugar era
aquele e o que tinha acontecido. Aproximando-se da família, o espírito benfeitor expôs que o perigo passara e que, embora naquele local se efetuassem trabalhos de doutrinação, ele, Marcone, mediante ordens superiores, poderia ministrar o devido esclarecimento àqueles espíritos detidos, em sua casa espírita.
Visível felicidade cobria a face de Marcone e Leila, que observavam substancial melhora do filho. Distraindo-se em afagar Carlos, Marcone não percebeu que o espírito trabalhador já se afastara do médium. Não teve a oportunidade de agradecer e nem saber seu nome.
Perguntou ao dirigente daquele Núcleo Umbandista sobre quem era aquele espírito, no que foi respondido, em tom fraternal, o que importava naquele momento, era o bem-estar de Carlos.
Os dias correram e, com eles, a febre alta, a anemia e as convulsões. Carlos, o filho querido, já tinha vida normal e sequer demonstrava resíduos da patologia espiritual que o afligira. Marcone solicitou aos espíritos superiores que lhe dessem a oportunidade
de receber em sua casa espírita aquelas entidades que outrora obsediavam seu filho. Foi atendido, fazendo valoroso trabalho de conscientização e regeneração junto aos ex-obsessores.
Durante uma sessão de estudos, em que todos os presentes se voltavam a esmiuçar as obras kardecistas, uma suave briza de fragrância agradável fez vibrar positivamente todo o ambiente. Marcone então teve suas atenções voltadas para um médium da mesa, cuja fisionomia denotava profunda mudança. O médium, agora incorporado por um espírito, saldou a todos, conclamando-os a seguirem os ensinos de Jesus.
O dirigente Marcone, sob forte emoção, identificou de pronto aquela entidade. Sabia agora que era a mesma que se manifestara pela primeira vez naquele recinto para ajudar Carlos, e que fora injustamente convidada a se retirar. Tinha consciência também que era o mesmo espírito que havia curado seu filho no Templo Umbandista.
Num incontido choro, aproximou-se daquele espírito pedindo perdão pelo preconceito e discriminação que o fizera passar.
A entidade espiritual Exu "A" envolveu Marcone em cristalinas ondas de luz, pedindo mais compreensão e menos radicalismo.
Proferiu, ao dirigente espírita palavras de conforto e entusiasmo para as atividades espirituais. O engenheiro Marcone, percebendo que a entidade espiritual já se despedia dos presentes, num gesto de humildade e simplicidade, virtudes que permeiam os grandes de coração, fraternalmente disse ao espírito do Bem:
"Obrigado, amigo Exu!" Um Exu de Lei e verdade...

(Autor Desconhecido) - do Portal Guardiões da Luz
Laroyê Exu... Exu é Mojubá!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Reportagem da Veja sobre o Espiritismo




Reportagem da VEJA sobre o Espiritismo de 26/07/2000


À nossa moda
Criado na França, o espiritismo deu certo apenas no Brasil, onde a doutrina mística com pretensões científicas é culto da classe média
F
Uma sessão espírita típica tem palestra e passes: "Uma religião letrada"
Mário Covas, governador do mais rico e populoso Estado do Brasil, é católico, mas busca aconselhamento com os espíritos quando está com problemas pessoais. O general Alberto Cardoso, ministrochefe do Gabinete de Segurança Institucional, homem poderoso na equipe do presidente da República, criou o hábito de incorporar espíritos e orientar com voz do além os desesperançados que o procuram. Herbert Steinberg, professor de pós-graduação e dono de uma importante consultoria de empresas, nasceu judeu, virou católico e agora reúne a família pelo menos uma vez por semana para ler e discutir a Bíblia sob a ótica do espiritismo. O médico Ronaldo Gazolla, secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro há nove anos, controla dezesseis hospitais, 110 postos de saúde e 30 000 funcionários, mas não deixa de ir toda quarta-feira ao centro espírita que preside, onde ergue as mãos e canaliza energias positivas, num chamado passe, que acredita contribuir para a cura de enfermos da alma e do corpo.
O segundo ministro da Saúde do governo de Fernando Henrique Cardoso, o cardiologista gaúcho Carlos César de Albuquerque, vê e recebe espíritos. O autor das telenovelas de maior sucesso do país, Benedito Ruy Barbosa, diz que seu pai o acompanha e orienta desde que morreu, quando ele tinha 12 anos, e, por isso, sempre dá um jeito de promover um reencontro de personagens mortos em seus enredos televisivos. Tande, campeão olímpico, estava convicto de que integraria a seleção brasileira muito antes de começar a jogar vôlei, por causa da mensagem recebida por seu pai, um militar médium vidente. A dona do rebolado mais admirado do país, Scheila Carvalho, acredita que foi princesa em outra encarnação e tem o livro O Evangelho Segundo o Espiritismo – em sua cabeceira. O escritor brasileiro que mais vende livros – cerca de 30 milhões de exemplares –, Chico Xavier, não escreve seus textos, psicografa.
Claudio Rossi
Herbert Steinberg
Consultor e professor, nasceu judeu, virou católico e agora é espírita, como toda a família: "A doutrina é lógica e convence"
Está aí um retrato possível da elite brasileira. Um retrato da elite, por sinal, possível apenas no Brasil. Primeiro, porque em nenhum lugar do mundo há tantos espíritas, a ponto de se poder fazer uma lista deles olhando apenas para o pódio dos bem-sucedidos, famosos e poderosos. Segundo, porque só aqui católicos, judeus ou protestantes atestam a comunicação com os mortos e a reencarnação sem se ruborizar e sem medo de ser expulsos de sua igreja, sinagoga ou templo. De acordo com a Federação Espírita Brasileira, são 8 milhões de adeptos e 30 milhões de simpatizantes. Pesquisas de opinião pública indicam um número menor: 3% da população, ou 4,8 milhões de pessoas. Mas essas são apenas as que se declaram espíritas ao pé da letra. Não estão incluídos aí todos os freqüentadores de centros, muito menos o total de simpatizantes.
Num país onde até o presidente da República, declaradamente ateu, gosta de se descrever como um intelectual com pitadas de candomblé, é evidente o apelo das religiões mediúnicas, mesmo quando há um choque doutrinário com os cultos dominantes. Uma enquete feita pela Vox Populi há quatro anos revelou que 59% dos brasileiros acreditam na existência de espíritos – conceito aceito apenas pelo kardecismo e pelas religiões afro-brasileiras, como umbanda e candomblé. Na França, onde o espiritismo nasceu, pelas mãos do pedagogo Hippolyte Léon Denizard Rivail, vulgo Allan Kardec, a única associação de seus seguidores conta com pouco mais de 150 sócios. "Aqui, como em toda a Europa, o espiritismo é desconhecido. Não é considerado uma coisa séria", admite Jacques Peccatte, presidente do Círculo Allan Kardec, instalado na cidade de Nancy. "A doutrina kardecista só é desenvolvida de fato no Brasil."
Desenvolvida e adaptada às condições locais por Chico Xavier, que tropicalizou os princípios doutrinários difundidos pelo francês no século XIX, dando-lhes um apelo mais sentimental, humano, bem adaptado à alma nacional (veja quadro). Aqui, o espiritismo não apenas se estabeleceu como passou a fazer parte da cultura brasileira. Sem o estardalhaço nem os números explosivos das igrejas evangélicas, o espiritismo está sempre ampliando o contingente de adeptos, com uma característica peculiar: ele se difunde principalmente nas classes sociais mais altas. Cinco anos atrás, havia 5.500 centros espíritas espalhados pelo país (concentrados nas regiões Sul e Sudeste). Hoje, são mais de 9.000. Nas salas de aula da Federação Espírita de São Paulo, 11.300 alunos sentam-se para aprender desde os fundamentos do kardecismo até como ser médium ou como se tornar um expositor da doutrina. Há dez anos, eram menos de 6.000.
Antonio Milena
Benedito Ruy Barbosa
Desde que sua mãe viu o marido, que tinha morrido, sentado a seu lado, o autor tornou-se espírita e passou a sentir a presença do pai
Outro termômetro da expansão recente do espiritismo é a publicação de livros relacionados com o assunto. A leitura é o mais importante recurso de evangelização espírita. O motivo está na própria natureza dessa religião, cujos princípios, de acordo com os crentes, foram transmitidos por meio de inúmeras "comunicações" do além, transcritas pelos médiuns. "Aprende-se o espiritismo lendo", afirma o presidente da federação paulista, Durval Ciamponi, autor de cinco livros - encontrar um expoente do espiritismo que não tenha escrito livros é tão difícil quanto achar um pastor evangélico que não cante. Pois há cada vez mais gente interessada na literatura kardecista, uma barreira natural na seleção de classe. "O espiritismo é uma religião letrada", afirma o sociólogo Lísias Nogueira Negrão, presidente do Centro de Estudos da Religião Duglas Teixeira Monteiro. "Mais do que uma religião, o espiritismo se pretende uma ciência, uma filosofia. Por isso, e por ter alta capacidade de persuasão pela lógica, atinge as classes sociais mais instruídas." Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas mostra que os espíritas pertencem, primordialmente, às classes média e alta. Sua renda familiar é 150% maior que a média nacional (só perde, entre as religiões, para o judaísmo) e a escolaridade de seus adeptos também é a segunda no ranking – em média, dez anos de estudos completos. Essa é uma característica da doutrina, desde sua chegada ao Brasil, na segunda metade do século XIX, com a circulação de livros em grupos restritos da elite nacional. Saber ler e ter condições de comprar livros era privilégio mais exclusivo ainda do que hoje.
Meritocracia espiritual – Os primeiros advogados, militares, jornalistas, médicos convencidos pelos preceitos de Kardec ainda no século XIX criaram uma tradição. A Cruzada dos Militares Espíritas, fundada em 1944, tem hoje 5.000 participantes, entre eles generais e coronéis. "O número de militares espíritas saltou nos últimos seis anos, e as adesões não param", diz o coronel Ruy Kremer, presidente da entidade, que orienta a ação de 432 delegados organizadores de grupos de estudos em quartéis, navios ou em qualquer ponto em que haja um militar a serviço. Há associações de médicos espíritas em 21 Estados. "Com o espiritismo, aprendi a reconhecer minha capacidade intuitiva, que me auxilia nos diagnósticos, e descobri que tenho o dom da cura pelas mãos", afirma o oncologista mineiro Renato Nogueira, espírita há três anos.
A doutrina é ancorada na crença da reencarnação e da comunicação com "entidades espirituais desencarnadas", ou seja, pessoas que já morreram. Os adeptos acreditam que os espíritos dos mortos voltam à Terra e se encarnam em novos seres humanos, no nascimento. Por trás disso está a idéia oriental do carma: volta-se à vida terrena para pagar pelos erros cometidos em encarnações anteriores, num processo contínuo, até zerar tudo, atingindo-se um estado de plena perfeição moral. Com base nessas crenças, a doutrina oferece explicações para as eternas dúvidas humanas: de onde viemos, para onde vamos, qual o sentido da vida, por que somos atormentados por tantos padecimentos. A busca de respostas chega a níveis radicais. No Livro dos Espíritos, que Allan Kardec dizia ter escrito depois de ouvir inúmeras entidades, há mais de 1.000 perguntas e respostas. Daí a aura de ciência que o espiritismo sempre reivindicou.
"O espiritismo nasceu com uma linguagem adequada à ciência da época. As idéias eram bem sistematizadas e aplicavam à trajetória pessoal de cada um o evolucionismo, muito em voga", explica José Luiz dos Santos, antropólogo da Universidade de Campinas e autor do livro Espiritismo, uma Religião Brasileira. Ainda hoje a teoria funciona. O fato de estarmos na Terra para melhorar, ou seja, evoluir espiritualmente, e zerar a contabilidade de erros de encarnações passadas explica ter ou não dinheiro, sofrer ou ser feliz, morrer jovem ou com idade avançada. A fórmula para evoluir também é simples: fazer o bem. Assim, ajudar em obras assistenciais e ser caridoso são atividades imprescindíveis para um espírita.
"Foi só no kardecismo que encontrei as respostas que procurava. A teoria toda faz sentido e me convence", afirma Herbert Steinberg, empresário e professor de gerenciamento estratégico em um curso de MBA. Antes de ler os primeiros livros com mensagens de Chico Xavier, Steinberg se desiludira com sua religião de família, o judaísmo, e com o catolicismo, ao qual se converteu num rompante juvenil. "Não preciso de mais provas: o astral das pessoas e a sincronicidade de alguns acontecimentos já são pistas suficientes para mim de que existe algo além da vida que enxergamos."
"Nova era" – O espiritismo oferece muitos esclarecimentos, tem poucos dogmas e nenhuma hierarquia. Na prática, demonstra uma flexibilidade que vem ajudando em sua propagação. A moda do esoterismo e da curiosidade pelo sobrenatural, englobada sob a denominação genérica de fenômenos da "nova era", é capitalizada com entusiasmo. Os americanos Brian Weiss, autor de Muitas Vidas, Muitos Mestres (quase 2 milhões de exemplares vendidos), e James van Praagh, autor de Conversando com os Espíritos (1,5 milhão de exemplares), por exemplo, são recebidos como sumidades. Dão palestras em auditórios, centros de convenções e centros espíritas. Embora não sejam kardecistas, são citados como prova da veracidade e da universalidade da doutrina. O mesmo aconteceu com filmes como Ghost e O Sexto Sentido, com o famoso menino que vê "gente morta" – ou espíritos desencarnados. "Um dos segredos do crescimento do espiritismo é a incorporação de tudo o que diga respeito a espíritos. Seus praticantes pegam temas em voga, como terapia de vidas passadas ou fotografia da aura, e os analisam sob a visão do kardecismo. Com isso, vão ganhando adeptos entre aqueles que gostam de estar na moda", afirma o antropólogo José Luiz dos Santos.
Embora professe fenômenos fantásticos, como a possibilidade de viajar para outros mundos e falar com mortos, quem procura o kardecismo em busca de emoções arrepiantes sai decepcionado. Uma sessão espírita é como um "workshop". Em geral, começa com uma palestra sobre um tema evangélico, evolui para uma discussão amigável e termina com um "passe". O passe é uma transmissão de energia que, crêem os adeptos, ajuda a resolver problemas físicos, psicológicos e espirituais. Não é preciso incorporar espíritos para dar o passe, embora a energia venha deles. Não há, portanto, cenas empolgantes, nem ao menos muito curiosas, numa sessão comum, daquelas que as pessoas freqüentam semanalmente.
As sessões de cura espiritual ou de desobsessão, mais instigantes, quase sempre são feitas em salas isoladas. A desobsessão serve para afastar espíritos incômodos. Um médium incorpora um espírito que tenta convencer o "espírito errante" a abandonar sua vítima. Para a cura, além dos passes, existem as cirurgias espirituais, propaladamente feitas por espíritos de grandes médicos mortos. Mas depois de escândalos como o de Rubens Faria Júnior, o mais recente incorporador do famoso doutor Fritz e acusado de charlatanismo, as cirurgias em que o corpo do paciente é aberto praticamente sumiram. Restaram apenas as curas por energia. Vários centros agora oferecem também sessões de cromoterapia, modismo esotérico incorporado sem preconceito pelos kardecistas. Adaptar-se aos tempos, afinal, é um preceito doutrinário do espiritismo.
Ronaldo Gazolla
Médico e secretário de Saúde do Rio, ele recebe mensagens de espíritos: há trinta anos era materialista convicto; hoje, preside um centro
General Cardoso
O ministro e médium faz parte de uma tradição nas Forças Armadas: a Cruzada dos Militares Espíritas foi fundada em 1944 e hoje abriga 5 000 adeptos
Tande
O campeão olímpico de vôlei segue a religião desde criança: mensagem recebida pelo pai, militar e médium, já antecipava o futuro como esportista
Carlos Albuquerque
O ex-ministro da Saúde de FHC procurou ajuda para controlar a mediunidade: "Eu via os espíritos com meus pacientes"
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